"Alberto mostrou-se um guia
impressionante, dando à sua voz rouca um tom senhorial, enquanto ia explicando
em pormenor a história da ilha, bem como o nome das grutas e das formações
rochosas por onde iam passando."
Um único barco estava ancorado na
pequena e tosca plataforma de embarque. Miro e Ofélia desceram cuidadosamente a
meia dúzia de degraus até à beira do mar apoiando-se nas barras de ferro, já
bastante degradadas, corroídas pela ferrugem e pelo embate das ondas salgadas,
estrategicamente cravadas na rocha.
A plataforma, coberta por limo
quase na totalidade e escorregadia, obrigou Ofélia a procurar apoio nos braços
do marido, lançando um gritinho estridente ao mesmo tempo que tentava evitar
que os pés se movessem contra a sua vontade.
– Tens mesmo a certeza que queres
andar numa destas coisas? – Perguntou Miro, olhando desconfiado para o bote de
dois metros e meio com um pequeno motor fora de borda, que subia e descia ao
ritmo da ondulação.
Ofélia olhou para o marido e, em
seguida, para o homem com aspecto sonolento encostado à popa do barco. A
aparência rude e a pele estragada por muitos anos de convívio diário com o sol
e o mar, não deixavam adivinhar a idade mas, com certeza seria mais novo do que
aparentava. Devagar, como se estivesse a despertar de um longo sono, abriu os olhos,
parecendo só nesse instante ter tomado conhecimento da presença do casal.
Foi uma surpresa.
Por detrás da vestimenta,
carcomida por anos de uso e do aspecto abatido, um olhar sagaz e inteligente
fixou Ofélia, quase a hipnotizando com um brilho azul, intenso, como se a cor
da íris lhe fosse dada pelo próprio oceano. O esboço de um sorriso acompanhou
um cumprimento numa voz rouca, mas com uma sonoridade limpa e agradável.
– Bons dias! Podem subir. Se
querem visitar a ilha e as grutas em torno dela, a melhor maneira de o fazer é
de barco.
– E isso demora quanto tempo? –
Perguntou Miro, depois de receber um sinal de aprovação por parte da esposa.
– Cerca de uma hora. São três
euros por pessoa e, depois posso levá-los de volta à praia do Carreiro do Mosteiro. – Fez uma pequena pausa. – A menos
que lhes apeteça subir aqueles degraus. – Disse, apontando sugestivamente para
a escadaria de pedra que o casal tinha descido há pouco mais de meia hora. – É
a única alternativa. – Reforçou.
– Não precisa dizer mais nada – apressou-se
Ofélia a responder. – Qualquer coisa menos fazer outra vez aquele percurso todo
de volta. Vamos lá então senhor…
– Alberto! Alberto Pereira.
Tenham cuidado a entrar que a beira da rocha está escorregadia.
– Muito prazer. O meu nome é
Ofélia e este é o meu marido, Oldemiro.
– Miro! – Corrigiu Miro
rapidamente, estendendo a mão.
O homem sinalizou afirmativamente
e, assim que os dois se instalaram numa das travessas em fibra que ligavam os
lados do barco servindo de bancos, ligou o motor e arrancou passando por cima
de uma pequena onda que logo se rebentou contra a rocha por trás deles.
A apreensão inicial esfumou-se
rapidamente à medida que avançavam sobre o mar calmo e apreciavam aquela
paisagem paradisíaca. Alberto mostrou-se um guia impressionante, dando à sua
voz rouca um tom senhorial, enquanto ia explicando em pormenor a história da
ilha, bem como o nome das grutas e das formações rochosas por onde iam
passando.
– Olha ali aquela! – Observava
Ofélia. – Parece uma baleia. E aquela… parece a cabeça de um elefante.
Quase sem darem por isso, tinha
passado uma hora e meia e já estavam de volta à praia. Agradeceram ao guia, que
ainda recebeu alguns trocados de gorjeta, e decidiram que era melhor comerem
qualquer coisa para depois empregarem o tempo restante a aproveitar o sol e a
pequena praia.
Subiram até ao restaurante e,
depois de alguma hesitação sobre o que iriam almoçar, acabaram por pedir uma
dourada escalada com legumes pescada nas águas
da ilha, como lhe garantiu o empregado de mesa.
– Só tenho pena de uma coisa – disse
Miro, enquanto tentava cortar um queijo fresco em seis partes milimetricamente
idênticas. – De ter perdido o telemóvel. Podíamos ter tirado mais algumas
fotos, sem contar com aquelas que já tínhamos antes de chegar ao forte e que
ficaram irremediavelmente perdidas. Os números gravados, posso recuperá-los
facilmente, tinha-os no computador. Mas as fotos…
– Vá… não penses mais nisso e
vamos aproveitar o resto do dia. – Insistiu Ofélia.
O resto da refeição prosseguiu
alegremente, enquanto iam falando do passeio de barco e do enorme conhecimento
do senhor Alberto sobre a história da ilha.
No final do almoço, o empregado
trouxe dois cafés enquanto, disfarçadamente mas certificando-se que o seu gesto
não passava despercebido, deixava também sobre a mesa um pratinho com um pedaço
de papel.
– Pois… a conta nem é preciso
pedir. – Comentou Miro, pegando no pedaço de folha escrita à mão e olhando para
a última fileira de números. Largou-a no mesmo instante soltando um ligeiro
gemido como se esta o tivesse mordido na ponta dos dedos. – Toma! Ofereço-te! –
Disse, empurrando o prato na direcção da esposa.
– Então? Isso não é de
cavalheiro. – Respondeu Ofélia, sorrindo ao mesmo tempo que pegava na bolsa e
procurava a carteira.
De repente, Miro vê-a pegar no
telemóvel, ficando muito séria a olhar para o visor enquanto, com o polegar,
pressionava algumas vezes uma das teclas. Os olhos iam-se abrindo cada vez mais
à medida que relia o texto em sua frente.
– O que se passa? Alguma mensagem?
Ofélia não respondeu,
recusando-se a desviar os olhos do visor.
– Então? O que foi? – Insistiu
Miro.
– Tens a certeza que perdeste o
teu telemóvel. – Perguntou Ofélia, finalmente.
– O telemóvel?
– Sim, o telemóvel. Perdeste-o
mesmo ou tens estado a brincar comigo?
– Claro que o perdi. Mas porquê
isso agora?
Ofélia colocou o seu telefone em
cima da mesa, bem em frente do marido, com o ecrã voltado para cima, onde se
via uma mensagem iluminada por uma ténue luz azulada.
– Lê isto! – Ordenou.
– Mas, o que…
– Cala-te e lê! – Insistiu.
Miro reparou no nervosismo da
esposa e achou melhor fazer o que ela lhe pedia. Pegou no telemóvel de Ofélia e
começou a ler, pausadamente e em voz alta, a mensagem em inglês que lhe parecia
piscar em frente dos olhos.
Help me. I’m stock
in here. Contact my father.
Joseph Brown.
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A Ilha da Vergonha - 006
A Ilha da Vergonha - 005
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