Translate

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A Ilha da Vergonha (007)

"Alberto mostrou-se um guia impressionante, dando à sua voz rouca um tom senhorial, enquanto ia explicando em pormenor a história da ilha, bem como o nome das grutas e das formações rochosas por onde iam passando."


Um único barco estava ancorado na pequena e tosca plataforma de embarque. Miro e Ofélia desceram cuidadosamente a meia dúzia de degraus até à beira do mar apoiando-se nas barras de ferro, já bastante degradadas, corroídas pela ferrugem e pelo embate das ondas salgadas, estrategicamente cravadas na rocha.
A plataforma, coberta por limo quase na totalidade e escorregadia, obrigou Ofélia a procurar apoio nos braços do marido, lançando um gritinho estridente ao mesmo tempo que tentava evitar que os pés se movessem contra a sua vontade.
– Tens mesmo a certeza que queres andar numa destas coisas? – Perguntou Miro, olhando desconfiado para o bote de dois metros e meio com um pequeno motor fora de borda, que subia e descia ao ritmo da ondulação.
Ofélia olhou para o marido e, em seguida, para o homem com aspecto sonolento encostado à popa do barco. A aparência rude e a pele estragada por muitos anos de convívio diário com o sol e o mar, não deixavam adivinhar a idade mas, com certeza seria mais novo do que aparentava. Devagar, como se estivesse a despertar de um longo sono, abriu os olhos, parecendo só nesse instante ter tomado conhecimento da presença do casal.
Foi uma surpresa.
Por detrás da vestimenta, carcomida por anos de uso e do aspecto abatido, um olhar sagaz e inteligente fixou Ofélia, quase a hipnotizando com um brilho azul, intenso, como se a cor da íris lhe fosse dada pelo próprio oceano. O esboço de um sorriso acompanhou um cumprimento numa voz rouca, mas com uma sonoridade limpa e agradável.
– Bons dias! Podem subir. Se querem visitar a ilha e as grutas em torno dela, a melhor maneira de o fazer é de barco.
– E isso demora quanto tempo? – Perguntou Miro, depois de receber um sinal de aprovação por parte da esposa.
– Cerca de uma hora. São três euros por pessoa e, depois posso levá-los de volta à praia do Carreiro do Mosteiro. – Fez uma pequena pausa. – A menos que lhes apeteça subir aqueles degraus. – Disse, apontando sugestivamente para a escadaria de pedra que o casal tinha descido há pouco mais de meia hora. – É a única alternativa. – Reforçou.
– Não precisa dizer mais nada – apressou-se Ofélia a responder. – Qualquer coisa menos fazer outra vez aquele percurso todo de volta. Vamos lá então senhor…
– Alberto! Alberto Pereira. Tenham cuidado a entrar que a beira da rocha está escorregadia.
– Muito prazer. O meu nome é Ofélia e este é o meu marido, Oldemiro.
– Miro! – Corrigiu Miro rapidamente, estendendo a mão.
O homem sinalizou afirmativamente e, assim que os dois se instalaram numa das travessas em fibra que ligavam os lados do barco servindo de bancos, ligou o motor e arrancou passando por cima de uma pequena onda que logo se rebentou contra a rocha por trás deles.
A apreensão inicial esfumou-se rapidamente à medida que avançavam sobre o mar calmo e apreciavam aquela paisagem paradisíaca. Alberto mostrou-se um guia impressionante, dando à sua voz rouca um tom senhorial, enquanto ia explicando em pormenor a história da ilha, bem como o nome das grutas e das formações rochosas por onde iam passando.
– Olha ali aquela! – Observava Ofélia. – Parece uma baleia. E aquela… parece a cabeça de um elefante.
Quase sem darem por isso, tinha passado uma hora e meia e já estavam de volta à praia. Agradeceram ao guia, que ainda recebeu alguns trocados de gorjeta, e decidiram que era melhor comerem qualquer coisa para depois empregarem o tempo restante a aproveitar o sol e a pequena praia.
Subiram até ao restaurante e, depois de alguma hesitação sobre o que iriam almoçar, acabaram por pedir uma dourada escalada com legumes pescada nas águas da ilha, como lhe garantiu o empregado de mesa.
– Só tenho pena de uma coisa – disse Miro, enquanto tentava cortar um queijo fresco em seis partes milimetricamente idênticas. – De ter perdido o telemóvel. Podíamos ter tirado mais algumas fotos, sem contar com aquelas que já tínhamos antes de chegar ao forte e que ficaram irremediavelmente perdidas. Os números gravados, posso recuperá-los facilmente, tinha-os no computador. Mas as fotos…
– Vá… não penses mais nisso e vamos aproveitar o resto do dia. – Insistiu Ofélia.
O resto da refeição prosseguiu alegremente, enquanto iam falando do passeio de barco e do enorme conhecimento do senhor Alberto sobre a história da ilha.
No final do almoço, o empregado trouxe dois cafés enquanto, disfarçadamente mas certificando-se que o seu gesto não passava despercebido, deixava também sobre a mesa um pratinho com um pedaço de papel.
– Pois… a conta nem é preciso pedir. – Comentou Miro, pegando no pedaço de folha escrita à mão e olhando para a última fileira de números. Largou-a no mesmo instante soltando um ligeiro gemido como se esta o tivesse mordido na ponta dos dedos. – Toma! Ofereço-te! – Disse, empurrando o prato na direcção da esposa.
– Então? Isso não é de cavalheiro. – Respondeu Ofélia, sorrindo ao mesmo tempo que pegava na bolsa e procurava a carteira.
De repente, Miro vê-a pegar no telemóvel, ficando muito séria a olhar para o visor enquanto, com o polegar, pressionava algumas vezes uma das teclas. Os olhos iam-se abrindo cada vez mais à medida que relia o texto em sua frente.
– O que se passa? Alguma mensagem?
Ofélia não respondeu, recusando-se a desviar os olhos do visor.
– Então? O que foi? – Insistiu Miro.
– Tens a certeza que perdeste o teu telemóvel. – Perguntou Ofélia, finalmente.
– O telemóvel?
– Sim, o telemóvel. Perdeste-o mesmo ou tens estado a brincar comigo?
– Claro que o perdi. Mas porquê isso agora?
Ofélia colocou o seu telefone em cima da mesa, bem em frente do marido, com o ecrã voltado para cima, onde se via uma mensagem iluminada por uma ténue luz azulada.
– Lê isto! – Ordenou.
– Mas, o que…
– Cala-te e lê! – Insistiu.
Miro reparou no nervosismo da esposa e achou melhor fazer o que ela lhe pedia. Pegou no telemóvel de Ofélia e começou a ler, pausadamente e em voz alta, a mensagem em inglês que lhe parecia piscar em frente dos olhos.

Help me. I’m stock in here. Contact my father.
Joseph Brown.

---------------------------------------

Sem comentários: