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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A Ilha da Vergonha (012)

«O Grifo nunca se engana!»

Focou as lentes e apontou-as em direcção ao pátio. O casal ainda lá estava mas desta vez debruçavam-se sobre a murada prestando atenção a algo que deslizava sobre as ondas. Desviou o olhar na mesma direcção e, um arrepio percorreu-lhe toda a espinha. Um bote de borracha tinha sido lançado à  água e um par de homens remava em direcção a uma gruta por debaixo do forte.
Não havia mais dúvidas. Era uma questão de tempo até a encontrarem. Não lhe restava nenhuma alternativa senão ir avante com as suas ordens, e tinha de ser rápido.
Levantou-se. Recolheu a cana de pesca, o pequeno banco e voltou à cabine de pilotagem onde guardou todos os apetrechos nos devidos lugares. Depois de se certificar que tudo estava devidamente seguro, olhou para o céu azul com um suspiro e levou a mão ao bolso fechado dos calções retirando de lá uma Glock 19. Devagar, abriu um pequeno alçapão mesmo por baixo dos seus pés e apontou a arma para o porão do barco. Nada se mexia. Com a mão livre, tacteou até encontrar um pequeno interruptor dissimulado por detrás de um fato de oleado, suspenso por um gancho no lado esquerdo. Em poucos segundos, uma única lâmpada de luz amarelada iluminava todo o espaço de carga.
O saco ainda ali se encontrava, imóvel e no mesmo lugar onde o tinha deixado. Desceu e deu-lhe alguns toques com a ponta da Glock para se certificar que estava tudo bem, guardando-a em seguida novamente no bolso.
Com algum esforço, pegou no saco, atado pela boca com uma corda grossa, e arrastou-o para a popa. Não havia mais nada a fazer. Se tinha de ser feito, que fosse rápido. Com certeza o Grifo preferiria algo mais dramático, como despejar todas as quinze balas do carregador e, em seguida, largar-lhe o fogo mas…
Não pensou mais.
Um empurrão, e o saco desaparecia nas águas do atlântico.
Um minuto depois o homem empurrava a alavanca de velocidade até os dois motores Volvo com 715 cavalos de força debitarem a sua potência máxima com um rugir ensurdecedor.

A Ilha da Vergonha 012

Só queria desaparecer dali; esquecer mais uma vez o que tinha feito.
Se tivesse ficado na coberta mais uns segundos, tinha visto uma proa branca aparecer lentamente pelo lado sul da ilha mas, não o fez.

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Miro e Ofélia espreitavam, inclinados, pelo muro do pátio.
Pouco depois do tenente ter, praticamente, afugentado Benzino pelas escadas da falésia, todos os homens, inclusive ele, tinham dispersado pelo forte. Numa questão de minutos, tinham vasculhado todos os recantos da diminuta fortificação.
– Não encontrámos nada, meu tenente! – Exclamou um deles, depois de se reunirem no átrio interior.
– É! Já calculava – respondeu, coçando o queixo. – Mas cheira-me aqui a qualquer coisa. O inspector disse que o telemóvel lhe tinha desaparecido por uma ranhura, esta aqui. – Apontou para uma das frestas no chão.
Os homens concentraram-se em torno do buraco e, um deles, agachou-se examinando-o mais de perto.
– Parece ser fundo. – Observou.
– Tive uma ideia! – Exclamou o tenente. – Cabo! Vá buscar o barco!
Um dos homens desapareceu em passo acelerado, voltando pouco depois com uma mochila. De dentro, retirou o que parecia uma lona de borracha castanha e verde. Precedidos pelo tenente, o grupo encaminhou-se para a beira da água, numa pequena praia escondida pelas paredes do forte que se mesclavam com as rochas envolventes. Chegando lá, o rolo de lona foi desenrolado e o tenente puxou um minúsculo fio com uma esfera na ponta. Em segundos, um barco camuflado surgia à sua frente completamente insuflado e grande o suficiente para duas pessoas.
– Pronto, meu tenente!
O tenente Samora avançou dois passos e fez pressão com a bota sobre os rebordos da embarcação, como que para se certificar que ele aguentava. Depois de um aceno de aprovação, apontou para dois dos seus homens:
– Tu e tu! – Ordenou. – Vão vasculhar cada centímetro em volta do forte. Quero saber o que este monte de pedras esconde num raio de dez metros, quer acima da água, quer por baixo. Grutas, pedras soltas, peixes esquisitos, tudo o que possa soar estranho, anormal ou simplesmente irregular, quero que seja duplamente verificado.
– Sim senhor! – Responderam os dois homens em uníssono.
Pouco depois, montavam dois remos de alumínio nas forquetas do barco de borracha e deslizavam pela areia até a orla do mar.
Com remadas fortes e precisas, começaram a circundar o forte tentando encontrar alguma anormalidade. Difícil, pois nem eles sabiam muito bem o que andavam à procura.
Depois de se certificarem que estava tudo bem à superfície, alternadamente, mergulhavam a cabeça debaixo de água, cumprindo as ordens do tenente mas, com resultados igualmente nulos.
Não demoraram muito tempo até encontrarem uma enorme gruta que desaparecia no meio dos rochedos. Dois potentes focos de luz iluminaram todo o espaço deixando os dois homens momentaneamente deslumbrados pela multiplicidade de cores que a água lhes reflectia. Mas eles não estavam ali para se divertir. Pouco a pouco, todos os centímetros de rocha foram vasculhados, mas sem resultado.
Já estavam a preparar-se para dar meia volta, quando o foco de uma das lanternas faz brilhar qualquer coisa, logo abaixo do nível do mar.
– Espera! – Disse um dos homens, dando um encontrão no ombro do colega. – Aponta para ali.
Não havia dúvida. Havia alguma coisa debaixo de água.

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A Ilha da Vergonha (011)

            Ao largo das Berlengas, a cerca de duas milhas, um barco de recreio deixava-se embalar pelas ondas. Um homem, de boné e óculos escuros, sentava-se calmamente na proa, cercado por uma grade de protecção com pouco mais de quarenta centímetros de altura.
A Ilha da Vergonha (011)
Uma cana de pesca pendia, preguiçosa, ao seu lado enquanto ele, de binóculos em punho, observava o mar. Era um cenário normal naquelas paragens mas, um olhar mais atento mostraria que o carreto nem sequer continha linha de pesca e que a atenção do homem se centrava exclusivamente na ilha.
Há meia hora atrás, um dos dois únicos tripulantes recebera uma mensagem pelo telemóvel e, cerca de vinte minutos depois, um helicóptero rasava sobre a sua cabeça. As ordens tinham sido claras:
«Observe a ilha. Vai ter companhia. Se necessário, tome medias extremas.»
Agora vigiava atentamente todos os movimentos das tropas no forte.
Não entendia bem o que se passava nem sabia como o Grifo tinha conseguido a informação, mas o perigo pairava no ar como o nevoeiro nos primeiros dias de Verão.
Conseguia cheirá-lo.
Os binóculos eram bastante potentes. Um Konos Tornado 7 x 50 IF à prova de água, bússola iluminada e retículo de medição de distância. Com alguma concentração, conseguia-se contar as borbulhas na cara de uma pessoa a um quilómetro de distância.
Não era necessário tanto.
Com os olhos postos nas imediações do forte, viu um pequeno grupo de homens armados entrarem na antiga construção e, para seu espanto, viu-os expulsar toda a gente de lá, fazendo-os seguir falésia acima, tal como pastores a guiar um rebanho de ovelhas. Apenas três pessoas tinham ficado no pátio. Viu um dos soldados trazer alguém pendurado pela gola do casaco e viu-o depois seguir junto com os outros.
«O que se preparariam para fazer?» – Pensou para consigo. – «Será que desconfiam de alguma coisa?»
De repente, todos tinham desaparecido. Apenas um casal ficara no pátio, cada um dos outros desaparecera dentro do edifício.
O suor começava a fazer-se notar à medida que ele apertava cada vez mais os binóculos contra os olhos, a ponto de deixar uma orla vermelha que lhe marcava a cara logo abaixo das sobrancelhas. Tentava vislumbrar algum tipo de movimento mas, durante mais de dez minutos, nem uma gaivota sequer pairava sobre o forte.
Silêncio.
Silêncio demais. Até a suave brisa marinha tinha desaparecido como por magia. O mar parecia agora um lago e as pequenas gotas que se formavam no rosto do homem do barco, juntavam-se agora num fio que lhe escorria pelo pescoço abaixo, obrigando-o a largar a vigilância pelo tempo que levou a procurar um lenço de papel no bolso dos calções e limpar a testa.
 Guardou novamente o lenço, agora ensopado, e a mão tacteou um outro bolso, fechado, dando umas pancadinhas ténues no volume, algo pesado, que ali mantinha.
Lembrou-se novamente da mensagem do Grifo. A última linha era bem clara:
«Se necessário, tome medidas extremas.»
Mas… será que teria coragem para o fazer?
Ninguém sabia o verdadeiro nome do Grifo. O seu apelido tinha sido conseguido pela sua habilidade de se sobrepor a todos os outros à custa dos mais fracos. Agora, o seu nome era pronunciado com respeito, ou melhor, com temor.
Poucos eram os que o tinham visto pessoalmente. Mesmo ele, que já estava ao seu serviço há mais de cinco anos, só tinha tido a oportunidade de se encontrar frente a frente com o Grifo um par de vezes.
Por experiência própria, sabia que ele não era o tipo de homem que se deixe contrariar mas, até então, isso nunca tinha sido um problema. Todos os contratempos que fora contratado para eliminar, tinha-o feito automaticamente, sem pensar duas vezes. – «Afinal, todos eles mereciam.» – Repetia para consigo. – «Mas agora… um inocente…»
Abanou furiosamente a cabeça, distribuindo alguns salpicos de suor no processo.
«Estás a preocupar-te antes de tempo.» – Disse para ele mesmo. – «Concentra-te! Limpa o teu espírito e volta a vigiar a ilha. Talvez seja outra operação qualquer. Sim, talvez desta vez o Grifo esteja enganado. Claro, está apenas a ser demasiado previdente.»
Voltou a enganchar novamente os binóculos nos olhos mas, uma frase martelava-lhe continuamente o cérebro:

«O Grifo nunca se engana!»

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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A Ilha da Vergonha (010)

"(...)a aeronave levanta voo, desaparecendo por trás da ilha na direcção oposta à que chegou, deixando seis homens de camuflado e capacete com viseira à prova de balas, alinhados em paralelo à espera de ordens..."


Desde situações mais simples, como procurar um animal de estimação nos destroços de um prédio fustigado pelo fogo, até a missões de alto risco, como resgatar uma equipa de televisão feita prisioneira em território hostil, num ambiente de guerra, e fazê-la regressar em segurança ao país, todo o pelotão, – composto na totalidade por quinze militares seleccionados de entre os melhores das forças armadas portuguesas – já tinha, literalmente, colocado a sua vida nas mãos daquele homem.
– À vontade, tenente! – Respondeu Miro, sem saber muito bem o que dizer e apercebendo-se que o oficial em sua frente estava desconfortável com a situação em que tinha sido colocado. – Não é necessário esse aparato todo. Eu vou colocá-lo a par da situação e você decide a melhor maneira de agir. Com certeza está mais familiarizado com estas situações e conhece melhor os seus homens do que eu, portanto… não pretendo interferir e vou dar-lhe total liberdade.
Uma ligeira alteração na expressão do tenente, que Miro identificou como sendo um sorriso de aprovação, seguiu-se de uma rotação de cento e oitenta graus sobre os calcanhares e uma ordem seca que fez com que o pequeno pelotão batesse em uníssono com tacões e se aproximasse de Miro, formando um semicírculo enquanto o ouviam.
O relato demorou apenas alguns minutos, tempo suficiente para que uma quantidade cada vez maior de turistas se fosse aglomerando à entrada do forte tentando adivinhar o que se passava.
– E é tudo! – Disse finalmente Miro. – Então? O que se segue?
– Bem… uma vez que deixa ao meu critério, a primeira coisa a fazer é retirar daqui toda esta gente. – Respondeu, fazendo um ligeiro gesto com a cabeça na direcção dos cerca de vinte curiosos que se acotovelavam entre si pela disputa de um lugar na plateia. – Se vamos vasculhar o forte, não quero aqui ninguém a atrapalhar.
A um aceno de concordância de Miro, Ludgero Samora, tenente ajudante, virou-se para o pelotão e fez um gesto circular com a mão apontando em seguida o indicador em direcção à entrada do forte. O sinal já deveria ser conhecido pois, sem ser necessário uma única palavra, no instante seguinte o pequeno grupo dispersou em direcção à fortificação e, em menos de nada um grupo de turistas mal humorados barafustando palavrões em três ou quatro línguas diferentes, eram empurrados falésia acima, deixando o edifício ocupado apenas por Miro, Ofélia e a equipa de resgate.
Miro ia abrir a boca para elogiar Samora e a eficiência dos seus homens, quando a sua atenção é desviada para a porta, de onde saía um tipo baixinho, de óculos e um tanto enfezado, erguido a cinco centímetros do chão pela mão direita de um dos soldados que o segurava sem esforço pela lapela traseira do casaco.
– Ponha-me no chão, sua besta! – Gritava, fazendo tremelicar todas as bolinhas brancas do seu laçarote vermelho, enquanto esperneava furiosamente e tentava, sem êxito, voltar-se e aplicar uma série de rápidos murros no peito do soldado que se limitava a ignorá-lo e esticar um pouco mais o braço. – Ponha-me no chão, já disse! Seu… seu… brutamontes!
– Cabo! – Bradou o tenente Samora. – O que se passa?
– Nada que não acontecesse já, tenente. Este nanico recusava-se a sair e, quando eu tentei, delicadamente, convencê-lo, começou a ofender todos os militares e a dizer que quem está nas forças armadas só sabe usar os músculos e que o seu cérebro diminuto só serve para cumprir ordens. Bem… eu resolvi concordar com ele, pelo menos no que respeita aos músculos.
– Traga-o aqui, cabo!
Embora toda a equipa tivesse uma relação mais próxima do que muitos membros da mesma família, o tenente Samora ganhara o hábito de nunca os tratar pelo nome, nem sequer pelo apelido. Em vez disso, quando se tinha de dirigir a eles, tratava-os sempre pela patente.
Miro fazia um esforço para não rir, enquanto Benzino se ia aproximando, sendo segurado tal como um cachorro levado pela boca da mãe. A única diferença era que o animal, muito provavelmente, não espernearia tanto.
– Largue-me! Largue-me, já disse! – Ia berrando, cada vez mais alto, à medida que se aproximava de Miro e Samora. – Eu vou processá-lo! Meta-me no chão, porra!
– Largue-o, cabo. Eu trato do assunto. – Ordenou Samora.
Miro e Ofélia recuaram um pouco, deixando o tenente frente a frente com Benzino que alisava o casaco freneticamente numa tentativa de recuperar alguma compostura.
– É você que manda aqui? – Perguntou, olhando para cima e colocando-se em bicos de pés para tentar ganhar um pouco mais de estatura. – Afinal o que se passa? Aquele seu lacaio arrastou-me à força do meu local de trabalho e trouxe-me para aqui. Fique sabendo que eu vou falar com o meu advogado e vou depená-lo, a ele e a todos vocês. Eu sou uma pessoa respeitável e não admito que…
Não teve tempo de dizer mais nada. A sua voz foi abafada por uma manápula que se comprimiu sobre o seu pescoço, levantando-o desta vez a mais de vinte centímetros acima do solo. O tenente arrependeu-se a tempo e baixou-o logo em seguida, mas sem lhe largar o pescoço.
– Escute-me bem pois eu só vou dizer isto, uma vez! – Falou com uma voz baixinha e melodiosa, como se lhe sussurrasse ao ouvido. – Desobedecer-me a mim ou aos meus homens equivale a desobedecer ao governo português e… isso é uma coisa que você não vai querer fazer, não é verdade? – Benzino ia para responder qualquer coisa mas a mão do tenente fez um pouco mais de pressão, impedindo-o. – Você vai acalmar, vai parar de espernear como uma borboleta histérica e vai seguir, ordeiramente, o resto do pessoal pela falésia acima. Dentro de uma hora ou duas volta e vai encontrar tudo tal e qual como deixou. Fiz-me entender?
– Mas…
– Fiz-me entender ou não? – Reforçou, quase lhe tocando a cara com o nariz.
Benzino pareceu reflectir um pouco e acabou por acenar com a cabeça, conformado. Pouco depois, já subia as escadinhas da falésia atrás de todos os outros, levando com ele umas carinhosas lapadas na cara como incentivo, cortesia do tenente Samora.

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A Ilha da Vergonha (009)

– Vá lá, não sejas assim. Olha a praia ali em baixo a chamar por ti. – Respondeu, enquanto com a mão livre gesticulava em direcção à janela do restaurante. Mas a esposa mantinha-se firme.
– Nem penses. Concordei mais uma vez que adiasses o descanso, mas… Eu jurei a mim mesma que ia passar estes quatro dias contigo, e é o que pretendo fazer, quer tu estejas a trabalhar ou não.
– Mas… – Voltou Miro a tentar argumentar, mas sabendo perfeitamente que não ia conseguir convencer a mulher a mudar de ideias. – Pode ser perigoso.
– Mais uma razão para eu ir contigo. Se te acontecer alguma coisa, desta vez quero estar por perto.
– Mas… Os regulamentos… – Tentou outra vez.
– Os regulamentos não se aplicam a quem está fora de serviço. – Replicou, com um tom de advogada. – E, que eu saiba, tu vais ajudar mas continuas de folga. Portanto, eu vou contigo, quer tu queiras quer não.
Miro viu-se sem capacidade argumentativa face à esposa.
Pensou durante alguns segundos.
Afinal, ia ser apenas uma simples operação de busca e resgate, e ele ia ficar apenas como consultor e observador. A taxa de perigo seria mínima, pelo que não havia motivo para que Ofélia não o acompanhasse.
– Pronto! Certo! Vens comigo, se isso te deixa satisfeita. Mas, vamos deixar os homens fazer o trabalho deles sem interferir, o.k?
– Tu mandas, amor. – Respondeu ela, espetando-lhe um repuxado beijo na boca.
Miro sorriu, finalmente tendo liberdade para se levantar. Sim, ele mandava mas, acabava sempre por fazer todas as vontadinhas à esposa. Só esperava, desta vez, não acabar por se arrepender.
  
Por sorte, um dos barcos que levavam os turistas no percurso pela orla marítima da ilha, acabava de chegar à plataforma de desembarque deixando em terra quatro passageiros. Uma rápida conversa com o barqueiro para acertar o preço, e encontravam-se novamente a deslizar na ondulação do atlântico.
Foi exactamente meia hora o tempo que demoraram, desde a saída do restaurante até à chegada ao forte.
Estavam a subir as escadas de acesso ao pátio quando, ao longe, o zoar do motor de um helicóptero começava a destacar-se do barulho da rebentação das ondas. Dois minutos depois, uma aeronave cinzenta, pousava mesmo no centro do pátio exterior do forte, perante o olhar espantado de meia dúzia de turistas que se abrigavam das rajadas de vento produzidas pelas pás do aparelho e, refugiados entre os portões, tentavam com as mãos sobre os ouvidos, abafar o barulho.


Ainda as portas laterais do helicóptero não estavam completamente abertas, já sete indivíduos uniformizados saltavam para o chão, afastando-se das hélices e alinhando-se em formatura com uma precisão e prontidão típica de anos de treino militar.
Tão rápido como chegou, a aeronave levanta voo, desaparecendo por trás da ilha na direcção oposta à que chegou, deixando seis homens de camuflado e capacete com viseira à prova de balas, alinhados em paralelo à espera de ordens de um sétimo que, em frente deles, alinhava um bivaque azul sobre a cabeça, acabando por deixá-lo inclinado de mais com a ponta quase a tocar a sobrancelha esquerda.
Quando decidiu que o chapéu já lhe deveria estar a cobrir convenientemente a ligeira calvície que se começava a notar, gritou algumas ordens imperceptíveis para o grupo de homens em sua frente enquanto perscrutava rapidamente todo o recinto, como se procurasse alguém.
Miro tomou a iniciativa, avançando para o pequeno pelotão.
– Oldemiro Mendes. – Apresentou-se, estendendo a mão.
O oficial virou-se, fazendo uma rápida continência e, por sua vez, cumprimentando-o também com um aperto de mão.
– Tenente Samora, inspector Mendes. O comando enviou-me, a mim e a estes homens da unidade de busca e resgate, e deu-me ordens para ficar à sua inteira disposição. Apenas recebi as coordenadas, uma breve descrição da situação e o seu contacto. – Enquanto falava, mantinha-se rígido, quase imóvel e com uma expressão um pouco carrancuda demais, como se não estivesse muito à-vontade por ter que se rebaixar a alguém que, muito provavelmente, não tinha metade da experiência dele em situações idênticas. – Aguardo as suas ordens!
A voz do tenente Samora era encorpada e as palavras surgiam rápidas e com curtas pausas, como para se certificar que todas as sílabas eram entendidas na perfeição. Com perto de um metro e oitenta, ombros largos, porte atlético, cabelo curto começando já a ficar acinzentado aqui e ali, fazia lembrar o chefe de pelotão de um filme de comandos americanos.

Enquanto falava, os seus homens, – estes com uma aparência bastante mais jovem, talvez rondando os vinte, vinte e cinco anos – ouviam em silêncio sem mexerem um músculo, com uma reverência de quem está habituado a receber ordens de um superior. Para eles, o tenente Samora não era apenas o seu líder. As dezenas de missões por onde já tinham passado juntos, inclusive em países como o Iraque, tinham nutrido neles uma profunda admiração e respeito por aquele homem, uma pessoa a quem estavam preparados para seguir até ao fim do mundo.


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