"Pararam apenas uma única vez para
captarem com a câmara fotográfica e com o telemóvel algumas imagens do forte e,
em menos de meia hora já estavam em terreno plano preparando-se para atravessar
a ponte de rocha que dava acesso ao edifício."
Ofélia fez sinal para pararem. A
respiração ofegante provinha mais do esforço mental para não sucumbir a
vertigem da descida do que ao cansaço físico.
– Queres saber quantos degraus
descemos? – Perguntou.
Miro já conhecia bem demais as
capacidades de cálculo mental da esposa. Retraiu um comentário sarcástico
enquanto colocava a mão em pala por cima das sobrancelhas para se proteger da
luz solar e olhava para o percurso que acabara de fazer tentando calcular os
degraus desde o sítio onde estavam até ao farol. Uma leve brisa refrescou-o por
uns momentos, deixando quase imediatamente de se fazer sentir.
– Não faço a mínima ideia de
quantos foram – acabou por admitir. – Mas não tenho vontade nenhuma de voltar
atrás para contá-los.
– 265! 265 degraus sem contar com
a rampa. – Disse usando aquele tom de voz característico de quem tinha razão e “eu bem te avisei”. – Sabes o que são
265 degraus? É a mesma coisa que desceres de um décimo oitavo andar com o
elevador avariado. Nem penses que vou subir isto tudo. Nem que tenha de ir a
nado.
– Não precisas nadar. Basta
atravessar a ponte para irmos visitar o forte e depois vamos num desses
barquitos até à praia principal. – Disse Miro, apontando para os pequenos
barcos que estavam atracados junto ao forte, na esperança de conseguirem alguns
turistas que os contratassem para visitarem as inúmeras grutas existentes em
torno da ilha.
Ofélia pareceu acalmar ao reparar
nas simpáticas embarcações que iam chegando e saindo, cada uma delas levando
três ou quatro passageiros.
– O.K. – Disse, preparando-se para atravessar a
estreita ponte de rocha que ligava a abrupta escarpa ao forte S. João Baptista, passando por cima de uma pequena praia
desolada, com apenas alguns poucos metros quadrados de areia. – Mas vamos
despachar-nos, então. Vamos aproveitar para conhecer as grutas e ainda quero
ter tempo para passar algum tempo naquela adorável praia que vimos quando
chegámos.
O pequeno forte erguia-se altivo
em frente ao casal e a mais alguns turistas que se passeavam calmamente no pátio
exterior.
O pátio terminava numa enorme
porta de madeira reforçada com grossas ligas de ferro fundido. Espreitando
sobre o muro no lado esquerdo do pátio, uns degraus pequenos e toscos desciam
até ao nível do mar, terminando numa plataforma parcialmente molhada onde duas
lanchas se encontravam ancoradas. Depois de confirmarem ser esse o único acesso
às caricatas embarcações que faziam o percurso em volta da ilha, entraram. Passaram
um pequeno hall onde se podia ver um
corredor estreito e sombrio que, provavelmente, daria acesso aos quartos onde
outrora funcionavam as dependências de serviço das tropas ali estabelecidas,
mas que agora eram explorados pela Associação
dos Amigos das Berlengas, que tinha transformado aquele local numa
tranquila e rústica pousada.
Em pouco mais de dez minutos já
tinham completado a visita.
Para além dos doze quartos e de
mais outras oito divisões no interior da muralha, a pequena edificação contava
ainda com um café, um humilde estabelecimento mesmo no centro do pátio
interior, que destoava do chão em pedra, com grandes fissuras que inspiravam
cuidado ao caminhar, principalmente se fosse o caso de alguma senhora que se
aventurasse a explorar aquele local em saltos altos. As espessas paredes de
pedra, a precisarem urgentemente de recuperação, em conjunto com tudo o resto,
e o facto do forte se encontrar directamente por cima do mar, criavam uma orla
de misticismo que não passava despercebida a nenhum visitante.
– Não gostavas de viver naqueles
tempos? – Perguntou Ofélia sorrindo e fazendo uma vénia curvando ligeiramente
as pernas enquanto segurava uma hipotética saia comprida. – Eu seria a donzela
presa na torre, e tu o meu devotado cavaleiro que atravessava o oceano no seu imponente
garanhão branco, para me salvar das garras da terrível e malvada bruxa.
Miro não conseguiu suster uma
sonora gargalhada.
– Com que então atravessava o
oceano, montando um cavalo branco… – Olhou para a mulher durante alguns
instantes, arqueando a sobrancelha com ar de quem duvidava.
Ofélia conseguiu manter-se séria
durante dois segundos, explodindo depois numa contagiosa risada que a desequilibrou
ao ponto de Miro ter de a segurar. Uma décima de segundo mais tarde e ela
estaria estatelada no chão.
Ofélia deixou-se cair pesadamente
nos seus braços tentando diminuir o riso e olhando-o nos olhos.
– Meu príncipe! – Exclamou,
levantando-se logo de seguida e saltando para a beirada de uma grande janela
aberta na muralha, virando-se para o mar e abrindo os braços.
– Solta as tuas tranças,
Rapunzel, que eu subo por elas e salvo-te. – Gritou Miro, divertido, enquanto
procurava o telemóvel no bolso, preparando-se para tirar uma foto da cena.
A pressa fez com que o aparelho
lhe saltasse das mãos. Miro lançou-se num voo rasante, na tentativa de evitar
que o telemóvel se desfizesse em mil bocados no chão. Ainda lhe conseguiu tocar
com as pontas dos dedos, o que só serviu para aumentar o desespero ao ver o seu
precioso telefone, carregadinho com fotos e com a agenda repleta de contactos,
desaparecer numa grande ranhura entre as pedras do pavimento.
– Miro! – Gritou Ofélia, descendo
da sua torre improvisada e correndo para o marido. – O que se passa?
Miro limitou-se a resmungar
qualquer coisa imperceptível, enquanto tacteava o interior do buraco.
– Miro… – Insistiu. –
Respondes-me? O que se passa?
Em vão, Oldemiro Mendes tentava
chegar ao telemóvel mas, já com todo o braço inserido na fenda e sem conseguir
encontrar o fundo, viu-se obrigado a desistir.
– A porcaria do telemóvel – respondeu
finalmente. – Já é o segundo em menos de três meses.
– Mas… o que aconteceu?
– Aconteceu… aconteceu que eu ia
tirar-te uma foto e o raio do telefone caiu-me neste maldito buraco que parece
não ter fim.
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