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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Apenas mais uma tarde...

Sob o calor do sol, o teu corpo desnudo descansa a meu lado, de olhos fechados e, os dois ou três salpicos de areia que te abrilhantam a face, tornam ainda mais doce e sedutor o teu sorriso.
Adormeceste com o burburinho das ondas, numa maré que subia calma e lentamente.
Enquanto lia baixinho as páginas de um livro que nos leva a acreditar ser possível, até na mais simples história de vida, todos termos a capacidade de voar rumo a um destino ainda não traçado, pensei ser talvez o som da minha voz que te embalava na serenidade dos sonhos.
Foi mais forte do que eu, resistir a fazer-te uma carícia.
Acordaste… Não em sobressalto mas, murmurando as palavras mais doces que tinha escutado até então:
"Olá Amor! Já adormeci, não foi? "
Não respondi. Limitei-me a interiorizar todo o sentimento que um pequeno conjunto de letras pode ter, quando genuínas e ditas com sinceridade.

Passaram algumas horas…
O vento obrigou-nos a sair daquele lugar e, não tardaria muito, irias partir.
Parámos num local mais recatado, na exacta altura em que o sol desaparecia entre rochas nuas de tons acastanhados e o azul acinzentado do mar.
Uma vez mais, a conversa séria sobre os problemas da vida deu lugar ao silêncio.
Palavras para quê, quando as cores plácidas do final do dia contam sem usar a voz uma mesma história de vida que uniu na paixão dois corações?

Ficamos assim… por minutos intermináveis sentindo o calor do nosso desejo esquecer a vida e o mundo, unindo-se na ternura de um beijo.
 
"Sunset Kiss" por, Gordon King
Despedida.
É sempre difícil a despedida.
Deixamos para trás o pôr-do-sol e, pouco depois as nossas mãos tocavam-se num último adeus. Seria apenas por um dia mas, até o mais efémero segundo sem te saber perto de mim, parecia uma eternidade.
Não resisti a fazer-te sorrir uma vez mais antes de partires:
“Esta noite vou procurar por ti nos sonhos e… amanhã espero por ti com um beijo!”
Já não escutaste as últimas palavras que disse baixinho, não retraindo uma pequena lágrima:
“Boa viagem… meu Amor!”

quinta-feira, 2 de junho de 2016

“São Rosas, meu Senhor”

            

            Ainda com os olhos semicerrados, senti os teus passos leves aproximarem-se.
            A estranha ausência de vento no amanhecer do dia, permitia ouvir ao longe o murmurar das ondas, e a sua suave canção de embalar impelia-me a ficar mais uns minutos no conforto da cama.
            «Bom dia Amor!» – Ouvi, ao mesmo tempo que sentia o calor dos teus lábios na minha face.
            Despertei com o teu rosto sorridente, divertido e meigo, olhando para mim.
            Nos teus braços, um tabuleiro ornado com uma toalha de linho, bordada com motivos florais, e sobre ele um pequeno cesto, também coberto com um guardanapo de pano.
            Recordei a primeira vez em que, depois de uma noite de amor onde adormecemos nos braços um do outro, tomamos o pequeno-almoço na cama e, não conseguir conter um sorriso.
            «Olá!» – Disse eu, ainda ensonado. «O que trazes aí?»
            «São rosas, meu senhor…» – Respondeste, fazendo uma ligeira vénia. 

            A história misturou-se por instantes no meu pensamento, trocando o D. Dinis e a rainha Isabel, pelo romance entre D. Pedro I e a aia de D. Constança.
            «Ai sim, Inês… Posso então ver o que levas no regaço?»
            Arrependi-me no mesmo instante dos dois erros acabados de cometer. O primeiro, histórico, e o segundo muito mais grave, trocar o nome de quem me tinha ido despertar com tanto carinho.
            Antes de podermos dizer mais alguma palavra que tornasse aquele início de dia desagradável, saltei da cama e coloquei os meus braços em torno da tua cintura. Com o susto, desequilibrámo-nos, caindo os dois sobre os lençóis e, perante o meu espanto, do cesto sai uma linda e perfumada rosa vermelha. 

            «Desculpa, amor!» – Disse-te, pegando na flor e passando-a levemente sobre o teu rosto, percorrendo depois os teus lábios e continuando essa suave caricia até ao limite do peito desnudo.
            O nosso olhar cruzou-se num desejo primordial, onde a razão desapareceu dando lugar aos instintos mais básicos da criação. O toque sôfrego dos nossos lábios, depressa se transformou em mais meia hora de paixão, terminando os dois lado a lado, olhando nos olhos um do outro, ainda com a respiração ofegante.
            «Não estava previsto!» – Dissemos em uníssimo, não evitando uma sonora gargalhada.
            Depois de um rápido “duche” a dois, ainda com a toalha enrolada na cintura, perguntei:
            «Então e, o pequeno-almoço?»
            Não tive tempo de me desviar de uma “palmada”, supostamente carinhosa mas que me deixou a nádega esquerda dorida.
           «Eu já fiz o milagre das rosas…» – Respondes-te. «Agora vai tu fazer as torradas!» 

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© H. Vicente Cândido, 02-06-2015 
(arte: "Simple Graces", por Richard S Johnson)