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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

A Ilha da Vergonha (004)

A pequena aldeia com apenas duas ruas – a “rua do Pirotas” e a “rua José Caldinhas” – e umas escassas quinze ou dezasseis casas, era visitada alegremente pelos turistas mais adiantados que admiravam com curiosidade as cerca de uma dúzia de famílias que habitavam a ilha.

O casal parou um pouco antes de entrar no bairro, num pequeno miradouro que se erguia directamente sobre a praia servindo também como esplanada do restaurante que, num quadro preto rabiscado a giz com umas letras demasiado folclóricas, exibia um apelativo Menu onde se salientavam os peixes pescados nas águas da ilha.

foto: António Lisardo
            – Já viste bem aquela praia? – Perguntou Ofélia debruçando-se sobre a murada. – Estou desejosa de ir dar um mergulho e imaginar que estou contigo num paraíso tropical.
Miro observou novamente a pequena baía. Realmente, as águas calmas e as escarpas com uns toques de verde aqui e ali, faziam lembrar uma praia dos trópicos.
Olhou para o relógio que marcava onze e meia da manhã.
            – Mais logo. – Respondeu com um ar de quem não estava minimamente interessado em se molhar. – Ainda é cedo para almoçar, vamos conhecer a ilha?
Ofélia olhou pesarosa para a estreita e íngreme trilha que parecia não ter fim e lançou um olhar, como que de despedida, à sedutora praia.
– Bom, acho que foi para isso que nós viemos, não foi? – Olhou para o marido numa ténue esperança que ele mudasse de ideias, mas Miro limitou-se a sorrir. Gentilmente, passou o braço por baixo do dela para a incentivar e começou a subida.

O sol brilhava cada vez mais forte.
Ofélia mudava de ideias constantemente, ora queixando-se da interminável subida, ora incentivando o marido para que fosse mais rápido pois queria ver o farol e estavam a perder tempo com as gaivotas. Uma breve paragem junto das plataformas preparadas para comportar algumas tendas de campismo, serviu para recuperarem as forças e apreciarem a vista sobre a praia e sobre o mar.
De volta ao percurso, uma gaivota lança-se sobre eles ameaçadoramente tentando proteger o filhote que se escondia timidamente na beira do caminho. A dedicação da mãe não resultou. No meio de gargalhadas, gritos e tentativas para se desviarem das insistentes investidas, Miro não desistiu enquanto não conseguiu tirar duas ou três fotos com o telemóvel ao assustado pinto.

foto: António M. R. Rosado
Finalmente chegaram ao cimo.
Ofélia parou olhando para trás, ofegante.
– Para a próxima fico na praia. – Desabafou enquanto tentava recuperar o fôlego. – Afinal nós viemos aqui para fazer exercício ou para descansar? Aquela areia branquinha e aquelas águas transparentes a chamar por mim, e eu aqui a brincar aos alpinistas.
– Sim… pronto… tens razão. Mas se tivesses ficado na praia, não podias visitar o farol. Sabes que foi construído em 1941 e que foi baptizado com o nome de “Duque de Bragança”? – Ofélia pareceu descontrair um pouco esboçando um sorriso e um aceno de concordância. – Então e esta vista. Já olhaste bem? Aposto que se consegue ver o horizonte a mais de quarenta quilómetros.
Realmente a vista era espectacular.
Com o farol nas suas costas, qual guardião de um gigante adormecido, o céu límpido com apenas uns flocos de nuvem aqui e além, e aquele mar que alternava entre tons de um azul carregado e um verde claro, Ofélia foi obrigada a concordar que a subida valera a pena.
Manteve esse pensamento uns segundos apenas. Vinda não se sabe de onde, uma gaivota rasou-lhe os cabelos deixando cair na blusa os restos de um jantar de peixe mal digerido.
Miro não pode conter uma forte gargalhada.
– Achas que tem piada? – Gritou Ofélia furiosa enquanto procurava desesperadamente um lenço de papel na bolsa. – Estás a rir porque não te disse quanto custou esta camisa. De certeza não achavas tanta graça. Mas porque é que não dão cabo destas gaivotas de uma vez por todas e deixam só os coelhos? Transformavam esta ilha num paraíso num piscar de olhos.
Miro cada vez ria mais ao ver o desespero com que a mulher tentava eliminar os vestígios dos dejectos da gaivota.
– Pronto. Não ligues. – Disse enquanto se esforçava para parar de rir e tentava acalmar a esposa. – Esquece as gaivotas e vamos ver o farol, O.K?
Mas era mais fácil dizer do que fazer. Mal tinha acabado a frase quando sente o impacto de outro projéctil a escassos centímetros do sitio onde estava. Decidiram esquecer a visita ao farol, que para mais tinha um cartaz a avisar que no momento não estava aberto aos visitantes, e sair dali o mais depressa possível.
Um pouco mais à frente, uma placa indicava o percurso até ao forte São João Baptista.
Ofélia olhou para baixo sentindo uma ligeira vertigem. Uma enorme escadaria com os degraus, ora em pedra ora escavados na rocha, descia quase na perpendicular num declive assustador até ao nível do mar.
Miro passou o braço por cima do ombro da esposa dando-lhe um beijo na testa, seguido de uma leve pancadinha nas nádegas como incentivo para começarem a descida. Ela sorriu, agradecendo em silêncio a malandrice da carícia e, agarrada ao braço do marido, começou a descida. Pararam apenas uma única vez para captarem com a câmara fotográfica e com o telemóvel algumas imagens do forte e, em menos de meia hora já estavam em terreno plano preparando-se para atravessar a ponte de rocha que dava acesso ao edifício.

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para quem quiser acompanhar:
A Ilha da Vergonha - 003

1 comentário:

Filomena Pinto disse...

É engraçado como, conhecendo eu há pouco tempo o autor, o identifico tanto com a escrita. Homem pacífico, tranquilo, que sabe conduzir a história de uma maneira calma mas cativante. E cá estou eu, lendo sempre com interesse este amigo. Abraço