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sábado, 21 de maio de 2016

No Ritmo Insano do Amor e Desejo

Os escassos centímetros que nos separam, apenas aumentam a vontade de te sentir ainda mais perto.
Tento abster-me da tua presença. Escutar o vento, que teima em açoitar as janelas neste final de tarde onde o sol ainda se sente tímido para brilhar com todo o seu esplendor. Tento focar-me no ecrã em minha frente que emite uma luz pálida, transformando-se numa difusa neblina à medida que sinto cada vez mais próximo o calor do teu corpo. Tento concentrar-me no trabalho que já há muito deveria estar concluído e, forço-me a não olhar para ti, mas… O teu rosto toca-me ao de leve na tentativa de amenizar o reflexo do vidro, espreitando por cima do meu ombro com um olhar cativante e sedutor.

Pronto… Desisto… Não aguento mais!
Esqueço o vento, o trabalho, o local onde estou e, não resisto a procurar os teus lábios num apetite incontrolável, sentindo nesse mesmo instante a retribuição escaldante que, contra todas as previsões e convenções, nos impele para lá da loucura, iniciando um fogo passível de ser extinto apenas pelo culminar de uma explosão de prazer.


Entre o momento de um beijo e caricias suaves por vezes descontroladas, os nossos corpos já desnudos entregam-se ao desejo numa paixão ardente, ignorando o mundo e deixando o suor escorrer livre e ofegante por todos os poros.
Palavras de amor erguem-se baixinho, alternando entre outros sons, mais característicos do momento e quase impossíveis de serem abafados… Mais alto… Cada vez mais alto… Num compasso sincronizado que cresce exponencialmente até atingir um ritmo frenético e… Deixamo-nos cair exaustos sobre as roupas que tinham misteriosamente ocupado todo o espaço do pequeno escritório.

Ficámos ali, olhando-nos nos olhos, juntinhos a sorrir sabe-se lá por quanto tempo até que, de soslaio, reparo na mensagem que piscava no ecrã do computador. Levanto-me de um salto e, incrédulo, não podia acreditar no que lia antes do sistema se desligar sozinho.
Um sinal de perigo com fundo amarelo sinalizava o aviso em destaque sobre um fundo baço:

“ERRO! IMPOSSÍVEL GUARDAR DOCUMENTO. 
       O WINDOWS VAI ENCERRAR EM… 4… 3… 2… 1…”

 Uma mão delicada acaricia-me a face levemente e com ternura.
“ – O que aconteceu?” – Perguntou.
Sinto-me sorrir com a resposta, antes mesmo de articular qualquer palavra:
“ – Sabes amor… Acho que vamos ter de repetir tudo novamente.”

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Um brinde ao teu olhar...


Olho para ti!
A satisfação da partilha de uma simples refeição, não se compara ao prazer de estar ao teu lado. Esvai-se o apetite mundano pelo farto repasto em minha frente, mas fica a insaciável fome de carinhos.

Olho para ti!
Finjo não prestar atenção a cada gesto que fazes. Finjo distrair-me com quem por nós passa, lançando de quando em vez a tentativa de um olhar de interesse, mas… É impossível mentir tanto assim.

Olho para ti!
Sinto-me saciado, empanturrado até, mas continuo com um vazio só preenchido pela intimidade entre nós os dois.
Hoje não vou ter essa sorte!

Resta-me apenas a refeição do desejo e, é perante esse fraco aperitivo que os nossos copos se tocam e as vontades se cruzam num olhar do qual é impossível fugir. Levamos em simultâneo os nossos lábios à taça de vidro cristalino, e tomamos de um gole apenas, a promessa de um beijo.

Sinto nesse instante que o mundo somos apenas nós, e sorrio.
Sorrio porque… sou feliz quando olho para ti!

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Peniche, 17 de maio de 2015 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Raios partam a velha!

Primeiro, ainda me senti tentado a pousar por um momento a chávena de café, para escutar com mais atenção aquela voz que ia gradualmente subindo o nível dos decibéis, mas optei por tentar ignorar.
Claro que, o ênfase vai para a palavra “tentar”, pois uns segundos após ter começado, passou a ser completamente impossível deixar de ouvir o timbre esganiçado que ecoava mesmo por detrás de mim, dizendo com a língua bem afiada, mal de tudo e de todos.
Num gesto quase involuntário, vi-me a espreitar disfarçadamente sobre o ombro esquerdo, tentando perceber melhor o que se passava dentro do café, mas o sol ameno que envolvia toda a pequena esplanada, transformara a janela num grande e cristalino espelho, tornando impossível ver, fosse o que fosse, no interior do estabelecimento.  

«Raios partam a velha!» – Pensei para comigo, apercebendo-me no mesmo instante que não fazia a mínima ideia da idade de quem “grasnava” tão fogosamente. 

Quando o discurso começou, (e escolhi a palavra discurso em vez de conversa, porque ela não dava oportunidade a alguém de sequer tentar interromper) ainda pensei por uns instantes que iria falar sobre o seu desagrado perante os benefícios para os Chineses em Portugal, levando-me quase a esboçar um sorriso de concordância, mas… não foi necessário mais de alguns segundos, para entender que a cultura da senhora em questão era inversamente proporcional à sua fluência na dádiva da ignorância.

É que… além de parva, era estúpida!

Depois de afirmar repetidamente que não gostava de Chineses, e era incapaz de entrar numa das suas lojas sem ser acompanhada, pois tinha ouvido dizer que uma senhora entrou lá sozinha, ficando desaparecida durante bastante tempo, sendo mais tarde encontrada esquartejada, e uma fiscalização teria supostamente encontrado pedaços de carne humana no Sushi, ainda falou mais algum tempo das qualidades dos Samurais na China, da diferença dos produtos para consumo local e exportação, e da situação das crianças chinesas mais desprivilegiadas em grandes cidades, como Tóquio.
Depois, dentro da mesma sequência exemplar de cultura, inteligência e delicadeza, foi a vez de expressar a sua opinião sobre os indianos, sobre as brasileiras, sobre a raça negra, sobre os países do leste…

Irra… Raios partam a velha!

Levantei-me, lançando um olhar entristecido à chávena de café ainda meia e já fria, que eu distraidamente ainda segurava pela asa. Bebi o resto daquele líquido escuro de um só gole, sentindo um arrepio que me percorreu o corpo todo, e virei-me para a porta, com intenção de me dirigir ao balcão, pagar e desaparecer dali o mais rápido possível. Mas… de repente, silêncio… A voz tinha-se calado, sendo substituída por uma respiração ofegante.
Parei a tempo de ouvir uma voz masculina a dizer num tom calmo:
– Concordo com a tua posição!
– Só tinhas de concordar! – Replicou a mesma voz esganiçada, mas ainda ofegante. – Tudo o que eu disse…
Foi interrompida pelo mesmo homem:
– Não percebeste. Concordo com a tua actual posição em que finalmente estás calada. Só ainda não me levantei e deixei-te aqui a falar sozinha, porque seria uma vergonha ainda maior que aquela que me fazes passar com as tuas conversas parvas.

Finalmente, entrei no café.

Alguns clientes apressavam-se para pagar a despesa encostados ao balcão e, na única mesa que se mantinha ocupada, o casal ali sentado prendeu-me o olhar por alguns instantes, num misto de espanto e incredulidade.
Do lado direito, um homem já de alguma idade, de pela negra, um semblante calmo e sereno, e um bigode farto já amarelado pelo tempo, olhava de perna traçada distraidamente para as páginas do jornal. Em sua frente, a senhora que, à partida, deveria ser a esposa, mulata, de cabelos grisalhos, vestindo um “sari” que lhe envolvia o corpo como um cobertor enrugado, fulminava-o com uns olhos vermelhos, um pouco mais finos que o normal, deixando adivinhar a sua origem nipónica.


Neste momento, não tenho a certeza se pensei, ou disse em voz alta, mas…
Porra! Raios partam a velha!

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Peniche, 12 de Maio de 2015