Ao longo do Blog (que espero durar muito tempo), vou publicar também alguns contos originais, bem como outros, se possível devidamente indexados e que, pela sua natureza, mereçam ser postados aqui.
Podem também encontrar alguns dos meus textos, poemas e outras "Palavras", no site das Edições EC - Escrita Criativa, que estão desde já convidados a visitar.
Todos os meus contos são pura ficção mas... o que é a ficção senão uma história fictícia sobre a possível realidade de alguém?
Sete horas da tarde.
Sentado no banco de pedra sobre a falésia, observava as ondas enquanto esperava que o pôr-do-sol me trouxesse inspiração para mais um conto.
Em pleno mês de Abril, o pouco movimento na Ilha do Baleal deixava o mar cantar a sua canção quase sem interrupções. Com o caderno de apontamentos a postos, aguardava.
«Só mais uns minutinhos.» – Pensei.
Foi então que uma mão tocou ao de leve no meu ombro numa carícia tão suave como uma brisa morna que quase não se sente.
Virei-me.
Atrás de mim uns olhos azuis e cristalinos reflectiam o amarelo avermelhado do sol que começava a pousar sobre o oceano. O meu espanto foi imediatamente ultrapassado pela beleza dos cabelos claros que esvoaçavam serenamente açoitando a face do anjo que sorria para mim.
«Posso sentar-me?» – Disse.
Sem conseguir falar, sinalizei-lhe que sim.
Ela sentou-se mesmo ao meu lado deixando quase um metro de banco desocupado. Olhava-me com um misterioso sorriso, tal Mona Lisa enigmática e provocante.
Quando, ao fim de alguns segundos de silêncio, finalmente consegui recuperar a voz e me preparava para perguntar-lhe o nome, um dedo indicador colou-se nos meus lábios e, a mesma mão que antes me tocara no ombro, afagava-me agora carinhosamente a perna esquerda.
Um arrepio percorreu-me toda a coluna.
Aquele dedo que me pressionava deliciosamente o lábio, aqueles olhos meigos cor do mar, aquela boca lasciva…
Perdi a noção de tudo! Do sitio onde estava, das janelas que escondiam olhares indiscretos, do desconforto no banco de pedra. Tudo! O bloco de apontamentos voou pela falésia enquanto uma excitação que ultrapassava tudo o que tinha sentido até então se apoderava de mim.
Tinha de possuí-la ali mesmo.
Já não me interessava o nome, quem era, o que fazia ali… Beijei-a sofregamente e arranquei-lhe de um puxão a fina camisa de seda. Ela sorriu enquanto num só gesto, hábil e pensado, me desabotoou os as calças e me puxou pelo pescoço até eu conseguir sentir a sua respiração.
«Vamos!» – Ouvi-a dizer num murmúrio enquanto sentia que me apertava cada vez mais o braço.
«Vamos!» – Disse-me outra vez. Mas a dor era agora mais forte.
Olhei para trás.
Um braço peludo agarrava-me com força e uns olhos castanhos escondidos por baixo das sobrancelhas carregadas olhavam-me divertidos.
«Vamos!» – Repetiu um homem com calças de pintor e uma barba negra, espessa, pingada com salpicos multicolores. – «É melhor acordar ou ainda se descuida e cai lá em baixo. Não interrompi nenhum sonho agradável, pois não?»
Voltei à realidade e sorri.
A canção calma das ondas tinha-me embalado ao ponto de adormecer mas, afinal a inspiração para o conto tinha chegado mais uma vez.
© Palavras (de H. Vicente Cândido)