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quinta-feira, 2 de junho de 2016

“São Rosas, meu Senhor”

            

            Ainda com os olhos semicerrados, senti os teus passos leves aproximarem-se.
            A estranha ausência de vento no amanhecer do dia, permitia ouvir ao longe o murmurar das ondas, e a sua suave canção de embalar impelia-me a ficar mais uns minutos no conforto da cama.
            «Bom dia Amor!» – Ouvi, ao mesmo tempo que sentia o calor dos teus lábios na minha face.
            Despertei com o teu rosto sorridente, divertido e meigo, olhando para mim.
            Nos teus braços, um tabuleiro ornado com uma toalha de linho, bordada com motivos florais, e sobre ele um pequeno cesto, também coberto com um guardanapo de pano.
            Recordei a primeira vez em que, depois de uma noite de amor onde adormecemos nos braços um do outro, tomamos o pequeno-almoço na cama e, não conseguir conter um sorriso.
            «Olá!» – Disse eu, ainda ensonado. «O que trazes aí?»
            «São rosas, meu senhor…» – Respondeste, fazendo uma ligeira vénia. 

            A história misturou-se por instantes no meu pensamento, trocando o D. Dinis e a rainha Isabel, pelo romance entre D. Pedro I e a aia de D. Constança.
            «Ai sim, Inês… Posso então ver o que levas no regaço?»
            Arrependi-me no mesmo instante dos dois erros acabados de cometer. O primeiro, histórico, e o segundo muito mais grave, trocar o nome de quem me tinha ido despertar com tanto carinho.
            Antes de podermos dizer mais alguma palavra que tornasse aquele início de dia desagradável, saltei da cama e coloquei os meus braços em torno da tua cintura. Com o susto, desequilibrámo-nos, caindo os dois sobre os lençóis e, perante o meu espanto, do cesto sai uma linda e perfumada rosa vermelha. 

            «Desculpa, amor!» – Disse-te, pegando na flor e passando-a levemente sobre o teu rosto, percorrendo depois os teus lábios e continuando essa suave caricia até ao limite do peito desnudo.
            O nosso olhar cruzou-se num desejo primordial, onde a razão desapareceu dando lugar aos instintos mais básicos da criação. O toque sôfrego dos nossos lábios, depressa se transformou em mais meia hora de paixão, terminando os dois lado a lado, olhando nos olhos um do outro, ainda com a respiração ofegante.
            «Não estava previsto!» – Dissemos em uníssimo, não evitando uma sonora gargalhada.
            Depois de um rápido “duche” a dois, ainda com a toalha enrolada na cintura, perguntei:
            «Então e, o pequeno-almoço?»
            Não tive tempo de me desviar de uma “palmada”, supostamente carinhosa mas que me deixou a nádega esquerda dorida.
           «Eu já fiz o milagre das rosas…» – Respondes-te. «Agora vai tu fazer as torradas!» 

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© H. Vicente Cândido, 02-06-2015 
(arte: "Simple Graces", por Richard S Johnson)

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