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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A Ilha da Vergonha (009)

– Vá lá, não sejas assim. Olha a praia ali em baixo a chamar por ti. – Respondeu, enquanto com a mão livre gesticulava em direcção à janela do restaurante. Mas a esposa mantinha-se firme.
– Nem penses. Concordei mais uma vez que adiasses o descanso, mas… Eu jurei a mim mesma que ia passar estes quatro dias contigo, e é o que pretendo fazer, quer tu estejas a trabalhar ou não.
– Mas… – Voltou Miro a tentar argumentar, mas sabendo perfeitamente que não ia conseguir convencer a mulher a mudar de ideias. – Pode ser perigoso.
– Mais uma razão para eu ir contigo. Se te acontecer alguma coisa, desta vez quero estar por perto.
– Mas… Os regulamentos… – Tentou outra vez.
– Os regulamentos não se aplicam a quem está fora de serviço. – Replicou, com um tom de advogada. – E, que eu saiba, tu vais ajudar mas continuas de folga. Portanto, eu vou contigo, quer tu queiras quer não.
Miro viu-se sem capacidade argumentativa face à esposa.
Pensou durante alguns segundos.
Afinal, ia ser apenas uma simples operação de busca e resgate, e ele ia ficar apenas como consultor e observador. A taxa de perigo seria mínima, pelo que não havia motivo para que Ofélia não o acompanhasse.
– Pronto! Certo! Vens comigo, se isso te deixa satisfeita. Mas, vamos deixar os homens fazer o trabalho deles sem interferir, o.k?
– Tu mandas, amor. – Respondeu ela, espetando-lhe um repuxado beijo na boca.
Miro sorriu, finalmente tendo liberdade para se levantar. Sim, ele mandava mas, acabava sempre por fazer todas as vontadinhas à esposa. Só esperava, desta vez, não acabar por se arrepender.
  
Por sorte, um dos barcos que levavam os turistas no percurso pela orla marítima da ilha, acabava de chegar à plataforma de desembarque deixando em terra quatro passageiros. Uma rápida conversa com o barqueiro para acertar o preço, e encontravam-se novamente a deslizar na ondulação do atlântico.
Foi exactamente meia hora o tempo que demoraram, desde a saída do restaurante até à chegada ao forte.
Estavam a subir as escadas de acesso ao pátio quando, ao longe, o zoar do motor de um helicóptero começava a destacar-se do barulho da rebentação das ondas. Dois minutos depois, uma aeronave cinzenta, pousava mesmo no centro do pátio exterior do forte, perante o olhar espantado de meia dúzia de turistas que se abrigavam das rajadas de vento produzidas pelas pás do aparelho e, refugiados entre os portões, tentavam com as mãos sobre os ouvidos, abafar o barulho.


Ainda as portas laterais do helicóptero não estavam completamente abertas, já sete indivíduos uniformizados saltavam para o chão, afastando-se das hélices e alinhando-se em formatura com uma precisão e prontidão típica de anos de treino militar.
Tão rápido como chegou, a aeronave levanta voo, desaparecendo por trás da ilha na direcção oposta à que chegou, deixando seis homens de camuflado e capacete com viseira à prova de balas, alinhados em paralelo à espera de ordens de um sétimo que, em frente deles, alinhava um bivaque azul sobre a cabeça, acabando por deixá-lo inclinado de mais com a ponta quase a tocar a sobrancelha esquerda.
Quando decidiu que o chapéu já lhe deveria estar a cobrir convenientemente a ligeira calvície que se começava a notar, gritou algumas ordens imperceptíveis para o grupo de homens em sua frente enquanto perscrutava rapidamente todo o recinto, como se procurasse alguém.
Miro tomou a iniciativa, avançando para o pequeno pelotão.
– Oldemiro Mendes. – Apresentou-se, estendendo a mão.
O oficial virou-se, fazendo uma rápida continência e, por sua vez, cumprimentando-o também com um aperto de mão.
– Tenente Samora, inspector Mendes. O comando enviou-me, a mim e a estes homens da unidade de busca e resgate, e deu-me ordens para ficar à sua inteira disposição. Apenas recebi as coordenadas, uma breve descrição da situação e o seu contacto. – Enquanto falava, mantinha-se rígido, quase imóvel e com uma expressão um pouco carrancuda demais, como se não estivesse muito à-vontade por ter que se rebaixar a alguém que, muito provavelmente, não tinha metade da experiência dele em situações idênticas. – Aguardo as suas ordens!
A voz do tenente Samora era encorpada e as palavras surgiam rápidas e com curtas pausas, como para se certificar que todas as sílabas eram entendidas na perfeição. Com perto de um metro e oitenta, ombros largos, porte atlético, cabelo curto começando já a ficar acinzentado aqui e ali, fazia lembrar o chefe de pelotão de um filme de comandos americanos.

Enquanto falava, os seus homens, – estes com uma aparência bastante mais jovem, talvez rondando os vinte, vinte e cinco anos – ouviam em silêncio sem mexerem um músculo, com uma reverência de quem está habituado a receber ordens de um superior. Para eles, o tenente Samora não era apenas o seu líder. As dezenas de missões por onde já tinham passado juntos, inclusive em países como o Iraque, tinham nutrido neles uma profunda admiração e respeito por aquele homem, uma pessoa a quem estavam preparados para seguir até ao fim do mundo.


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